Patrícia lê “Romance sonâmbulo”, de Federico García Lorca

leitura: Patrícia Palmeira – 9º ano (2021-22)

poema: “Romance sonâmbulo”, de Federico García Lorca

Romance Sonâmbulo 

A Gloria Giner e Fernando de los Ríos 

Verde que te quero verde. 
Verde vento. Verdes ramos. 
O barco sempre no mar 
e o cavalo na montanha. 
Com a sombra na cintura 
ela sonha na varanda, 
 verde carne, tranças verdes, 
com olhos de fria prata. 
Verde que te quero verde. 
No alto, a lua cigana. 
As coisas a estão olhando 
e ela não pode olhá-las. 

 Verde que te quero verde.
 Grandes estrelas de geada
 chegam com o peixe de sombra
 que abre caminho à alvorada. 
A figueira esfrega o seu vento
 com a lixa de seus ramos, 
e o monte, gato gardunho, 
eriça suas pitas acres. 
Mas quem virá? E por onde?... 
Ela ainda está na varanda, 
verde carne, tranças verdes, 
sonhando com o mar amargo. 

Compadre, quero trocar
 meu cavalo por sua casa, 
meus arreios por seu espelho, 
sua manta por minha faca.
 Compadre, venho a sangrar 
desde as gargantas de Cabra.
 Ah, se eu pudesse, rapaz, 
este contrato fechava. 
Eu, porém, já não sou eu, 
em minha é já minha casa. 
Compadre, quero morrer 
com honra na minha cama. 
De ferro, se puder ser,
 e tendo lençóis de holanda.
Não vês a ferida que tenho 
do peito até à garganta? 
Trezentas rosas morenas
 leva o teu peitilho branco. 
Teu sangue ressuma e cheira 
em volta de tua faixa. 
Porém, eu já não sou eu. 
 Nem minha é já minha casa. 
Deixai-me subir ao menos 
até às altas varandas, 
deixai-me subir!, deixai-me 
até às verdes varandas. 
Balaustradas da lua 
por onde ressoa a água. 

Já sobem os dois compadres 
lá acima, às altas varandas.
 Deixando um rasto de sangue. 
Deixando um rasto de lágrimas. 
Tremulavam nos telhados 
candeeirinhos de lata.
 Mil pandeiros de cristal 
feriam a madrugada. 

 Verde que te quero verde, 
verde vento, verdes ramos.
 Os dois compadres subiram.
 O longo vento deixava 
na boca um gosto esquisito 
de fel, menta e alfavaca. 
Compadre, diz-me – onde está 
tua menina amargurada? 
Quantas vezes te esperou! 
Quantas vezes te esperara, 
cara fresca, negras tranças, 
nesta tão verde varanda!

Sobre o rosto da cisterna 
balouçava-se a cigana.
 Verde carne, tranças verdes, 
com olhos de fria prata. 
Um sincelo de luar
 sustenta-a sobre a água.
 A noite tornou-se íntima 
como uma pequena praça.
 Guardas civis embriagados
 na porta davam pancadas. 
 Verde que te quero verde. 
Verde vento. Verdes ramos. 
O barco sempre no mar. 
E o cavalo na montanha. 

Federico García Lorca (1898-1936)

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