Sofia lê “Escrever”, de Irene Lisboa

leitura: Sofia Meneses – 9º ano (2021-22)

texto: “Escrever”, de Irene Lisboa

ESCREVER

Se eu pudesse havia de transformar as palavras em clava.
Havia de escrever rijamente.
Cada palavra seca, irressonante, sem música.
Como um gesto, uma pancada brusca e sóbria.
Para quê todo este artifício da composição sintática e métrica?
Para quê o arredondado linguístico?
Gostava de atirar palavras.
Rápidas, secas e bárbaras, pedradas!
Sentidos próprios em tudo.
Amo? Amo ou não amo.
Vejo, admiro, desejo?
Ou sim ou não.
E como isto continuando.

E gostava para as infinitamente delicadas coisas do espírito…
Quais, mas quais?
Gostava, em oposição com a braveza do jogo da pedrada, do tal ataque às coisas certas e negadas…
Gostava de escrever com um fio de água.
Um fio que nada traçasse.
Fino e sem cor, medroso.

Ó infinitamente delicadas coisas do espírito!
Amor que se não tem, se julga ter.
Desejo dispersivo.
Vagos sofrimentos.
Ideias sem contorno.
Apreços e gostos fugitivos.
Ai! o fio da água, o próprio fio da água sobre vós passaria,
transparentemente?
Ou vos seguiria humilde e tranquilo?

Irene Lisboa (1892-1952)

biobibliografia

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